A solidão dos vivos

“Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer dá muito fruto” – João 12:24.

Parece que uma boa forma de ficar sozinho é continuar vivo.  Vida aqui, segundo Jesus, é sinônimo de solidão. Como não existe incoerência em Jesus, é melhor entendermos o que Ele quis dizer:
Morte, neste caso, não significa “não-existência”, significa multiplicação, a disseminação da existência.   Não tem a ver com desaparecer, tem a ver com sair de cena temporariamente para depois reproduzir-se infinitamente.  Tem a ver com renunciar ao temporal para projetar-se no eterno.  
A figura da semente é uma das mais belas e misteriosas que existe.  Foi por isso que Jesus a usou.  Ela nos ensina princípios de vida e convivência que estão se perdendo nas sociedades ocidentais:

Romper com o menor em benefício do maior    

Essa sabedoria, tão natural na pequena semente, não parece muito lógica para nós.  Relutamos em arriscar o pouco que temos hoje para vermos a multiplicação amanhã.   Esse, com certeza, não era o pensamento do menino que tinha apenas cinco pães e dois peixinhos.  Ao renunciar à sua necessidade individual em benefício de milhares de homens, mulheres e crianças foi protagonista de um dos maiores milagres que Jesus realizou.

Romper com o singular em benefício do plural

A semente escondida no solo – lugar escuro e solitário – se tivesse consciência, saberia que o seu sacrifício, aparentemente inútil, logo se transformaria em uma árvore com muitos frutos, que por sua vez derramaria muitas sementes no solo gerando muitas outras árvores, e assim, indefinidamente.
Somos uma sociedade que está desaprendendo a importância do coletivo.  Enfatizamos demasiadamente a necessidade individual em detrimento do coletivo.   
O homem moderno opta por viver coletivamente, mas tenta evitar ao máximo as implicações dessa escolha.  Temos visto alguns exemplos claros dessa filosofia de vida:

– O casamento sobrevive até o ponto em que a necessidade pessoal não começa a ditar as ordens.  Quando isso acontece, pouco importa a sociedade, a igreja, os filhos, os amigos, o sentimento do cônjuge, as promessas, os votos feitos.  Prevalece a necessidade pessoal, a paixão do momento, o impulso básico. 

– Aquele que se tornou um criminoso era uma boa pessoa, dedicada à família, cumpridor de suas obrigações, até que o vislumbre de um pequeno benefício ou vantagem individual o levou a cometer um crime.  O seu sentimento pessoal falou mais alto do que todos os freios sociais e religiosos que o prendiam.  Pouco importa que, para atingir seus objetivos, algumas vidas sejam ceifadas, outras destruídas, e o coletivo seja afetado. Prevalece o individual.

Romper com a necessidade de “viver na sombra” para “fornecer sombra”

A semente poderia considerar o escuro do buraco onde estava enterrada como sombra.  Embora opressivo e tumular poderia encontrar naquilo algum conforto.  É, sem dúvida, a nossa situação, muitas vezes.  Preferimos a zona de conforto, por pior e mais opressiva que ela seja.  Pensar no trabalho e no desgaste que teríamos em deixar o nosso “buraco” e sairmos para frutificar nos desanima.
Há muita sabedoria em viver plenamente e enquanto se vive, saber “morrer” nos momentos certos, abrir mão de algumas coisas a curto prazo para tornar a tê-las mais adiante, ou talvez, mesmo não as tendo de volta, saber que outros foram beneficiados.

Talvez Jesus tivesse em mente essas considerações quando disse:

“Pois quem quiser salvar a sua vida, a perderá; mas quem perder a sua vida por minha causa e pelo evangelho, a salvará” – Marcos 8:35.