O apocalipse e o nada

Bráulia Ribeiro

“Deus me mostrou com a tragédia no Haiti que não sou nada. Nossa vida não é nada.”

“A Bíblia diz que isto aconteceria no final dos tempos. Desastres vão ocorrer, pessoas vão morrer aos montes, o mundo se destruirá.”

Ouvi essas frases repetidas vezes nos últimos dias. Infelizmente, elas não geram fé, e sim um desânimo niilista que domina sutilmente nossa cultura cristã.

O niilismo, que é a negação da importância da vida, da moral e do bem, começou na filosofia quando a ideia de Deus como centro da vida foi sendo abandonada. Sem a transcendência de um Deus que nos cria, nos ensina e nos atribui valor, a vida humana se mediocriza, as individualidades se homogeneízam e tudo se nivela no nada. Sem o milagre do “imago Dei”, somos apenas animais racionais, condenados ao sofrimento perplexo.

Incomodo-me quando escuto cristãos falando isto: “Não somos nada — chegamos a essa conclusão depois da tragédia”. Como assim não somos nada? Aquelas centenas de milhares de pessoas enterradas lá não são nada? Zilda Arns não é nada? Aquela esposa encontrada viva depois de seis dias debaixo dos escombros pelo marido incansável não é nada? Sua vida não tem importância, assim como a minha? Se tenho tais pensamentos, eles vieram da minha cosmovisão humanista e aleijada — e não da Bíblia. A Bíblia nos revela um Deus que sofre por uma vida humana, por mais insignificante que nos pareça.

Somos aqueles a quem ele ama. Somos aqueles feitos por ele individualmente, cada um de nós predestinados para o bem, para a vida. Cada vida debaixo dos escombros tem um valor específico e transcendente e, por isso, será insubstituível. Deus conhecia a todos.

E o que dizer do: “Haverá terremotos, o amor se esfriará, haverá guerras”? Sim, está mesmo escrito. A conclusão a que chegamos é que está errada: “Portanto, porque está escrito, eu me acostumo, me adormeço numa passividade fatalista, pensando que ter fé é apenas esperar conformado que as desgraças aconteçam”.

Mais uma vez deixamos de conhecê-lo. Deus não tem dubiedade de intenção. Seu caráter é de luz, sem treva nenhuma. Quando ele nos alerta sobre o que há de vir, não o faz num ímpeto sádico de nos oprimir com a tragédia inexorável, mas como o pai que alerta seu filho do perigo, que o ensina a superar os problemas e as adversidades da vida, que prevê o mal para que se escolha o bem. A profecia nos instrui.

O livro de Apocalipse começa com: “Feliz aquele que lê as palavras desta profecia e felizes aqueles que ouvem e guardam o que nela está escrito” (Ap 1.3). Podemos aprender o que é fé com o jovem haitiano resgatado depois de dois dias pinçado num vergalhão embaixo das ruínas de um prédio de cinco andares: “Minha vida está nas mãos de Jesus. Estou feliz com ele”. O rapaz estava preparado, conhecia o caráter de Deus. Ele não se compraz no mal, mas é capaz de usá-lo para nos fazer o bem.

Haverá guerras e desastres naturais e o pecado vai aumentar; portanto, tenho que agir. Tenho que salgar para que o amor não se esfrie. Estabelecendo-se o niilismo, a ajuda humanitária desaparece. Vou me preparar, farei cursos de primeiros socorros, criarei um fundo de ajuda emergencial, mobilizarei uma equipe especial para responder aos desastres. Reconstruirei casas, restabelecerei a esperança nos corações que sofreram tantas perdas, falarei do amor daquele que nos ama, e não nos considera um nada.

Longe de me conduzir ao desânimo amargo do niilismo, uma leitura correta do Apocalipse me faz ter esperança de dias melhores. Porque eu estou aqui e, enquanto tiver vida, posso mudar as coisas ao meu redor.

• Bráulia Ribeiro trabalhou na Amazônia durante 30 anos. Hoje mora em Kailua-Kona com sua família e está envolvida em projetos internacionais de desenvolvimento na Ásia.

Fonte: Revista Ultimato

O profeta velho

O 13º capítulo do primeiro livro de Reis nos fala de dois profetas, o profeta de Judá e o profeta de Betel. Não se tem o nome deles. O primeiro é chamado várias vezes de “o homem de Deus”. O segundo é chamado três vezes de “o profeta velho”. Eles não se conheciam.

O homem de Deus veio a Betel para repreender a idolatria de Jeroboão. Recebeu ordens expressas de Deus para não comer pão nem beber água naquele lugar. Quando o rei Jeroboão insistiu com ele para ir à sua casa para comer e beber, o homem de Deus respondeu: “Ainda que me desses a metade de tua casa, não iria contigo, nem comeria pão nem beberia água neste lugar” (1.8). Ele rejeitou também o convite do profeta velho para comer e beber em sua casa (13.15-17).

Acontece, porém, que o profeta velho lançou mão de uma mentira e conseguiu levar o homem de Deus à desobediência: “Eu também sou profeta como você, e o Deus Eterno mandou que um anjo me dissesse que levasse você até a minha casa e lhe oferecesse a minha hospitalidade” (13.18, BLH). Assim posto, o homem de Deus voltou e comeu pão e bebeu água naquele lugar, tornando-se desobediente ao Senhor. Estando os dois homens à mesa, a palavra do Senhor veio ao profeta velho e ele disse ao homem de Deus: “O Deus Eterno diz que você desobedeceu e não fez o que Ele mandou… Por causa disso, você será morto, e o seu corpo não será enterrado na sepultura de sua família” (13.22, BLH). Ao voltar para Judá, o homem de Deus foi morto por um leão e enterrado no sepulcro do profeta velho.

A triste história nos dá conta que o homem de Deus foi vítima de uma mentira. Assim como Eva, que preferiu acreditar no “É certo que não morrereis” da serpente (Gn 3.3) e não no “É certo que morrereis” de Deus (Gn 2.17). Por essa razão, a mulher comeu da árvore do bem e do mal e o pecado entrou no mundo (Rm 5.12).

De vez em quando você topa com algum profeta velho ou com uma “profetiza velha” por aí, que podem lhe dizer ter recebido por meios sobrenaturais uma mensagem de Deus para você. É preciso tomar muito cuidado. Se o recado de Deus para você por meio desse profeta contrariar a orientação original do Senhor, não caia nessa cilada.

Deus o abençoe!

Fonte: Revista Ultimato

Milagres não solicitados

A lista de milagres estranhamente não solicitados é enorme. Estamos deixando o tempo passar, as coisas se agravarem e a tristeza aumentar, mas não temos coragem de clamar por certos milagres. Somos incentivados a orar pelo milagre da cura de doenças incômodas ou terminais, pelos milagres da prosperidade e por outros milagres sensacionalistas.

Existe um milagre chamado conversão. É quando o coração de carne toma o lugar do coração de pedra. É quando o pecador descobre que é pecador e chora na presença de Deus. É quando a fé no sacrifício vicário de Jesus desponta e se apodera daquele que quer ser perdoado de seus pecados. É quando alguém se despe do velho estilo e adota outro estilo de vida. É quando a pessoa assume compromisso privado e público com Jesus Cristo. É quando alguém é libertado e arrancado do império das trevas e transportado para o reino de Deus (Cl 1.13). Esse é um milagre e tanto. Porque são poucos os que acertam com a porta estreita (Mt 7.14). Enquanto o milagre da cura, que também glorifica a Deus, traz benefícios exclusivamente para a vida terrena, o milagre da conversão diz respeito a esta vida e à vida que há de vir.

Outro milagre não solicitado é o milagre da vitória sobre a natureza pecaminosa. Há cristãos por aí que não conseguem se livrar de sua carga de pecado. Continuam experimentando derrotas, fracassos e vexames. São dominados pelo ciúme, pela inveja, pelo ódio, pela explosão de gênio, pela impudicícia, pela mentira, pela murmuração, pela contenda, pelo mau uso da língua, pela bebedeira, pela soberba, pela injustiça, pela difamação e por outros vícios. Andam na carne e não no Espírito. Pelo tempo decorrido, deveriam ser mestres, mas ainda são crianças em Cristo (Hb 5.11-14). O milagre da vitória sobre o pecado lhes seria muito bom, para eles e para a igreja. Esse milagre é possível. Precisa ser solicitado com muita vontade e com muita insistência.

O terceiro é o milagre da reconciliação conjugal. Há casais que se desentenderam, vivem um verdadeiro inferno no lar. Separados dentro de casa, estão para se separar legalmente. Não se amam mais ou não sabem mais como expressar esse amor. Preocupam-se com a sorte dos filhos, mas não vêem a menor possibilidade de salvar o casamento. Estão arrastando o problema que, a cada dia, mais se agrava. A situação está insuportável e parece irreversível. Só um milagre poderá interromper o processo e trazê-los de volta ao contentamento conjugal. É isso mesmo, existe o milagre da restauração do matrimônio. Se Deus pode curar alguém do câncer de próstata ou um portador do HIV, por que esse mesmo Todo-Poderoso Deus não pode tornar a dar beleza e alegria ao matrimônio?

Precisamos de ousadia para orar pelo milagre da conversão, pelo milagre da vitória sobre o pecado e pelo milagre da reconciliação conjugal, milagres que — para desgraça nossa — geralmente não são solicitados ou são pouco solicitados.

Fonte: Revista Ultimato – Edição 257  – março/abril 1999